(...) – O Umbral - continuou ele, solícito - começa na crosta terrestre.
É a zona obscura de quantos no mundo não se resolveram a atravessar as portas
dos deveres sagrados, a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou
no pântano dos erros numerosos. Quando o espírito reencarna, promete cumprir o
programa de serviços do Pai; entretanto, ao recapitular experiências no
planeta, é muito difícil fazê-lo, para só procurar o que lhe satisfaça ao
egoísmo. Assim é que mantidos são o mesmo ódio aos adversários e a mesma paixão
pelos amigos. Mas, nem o ódio é justiça, nem a paixão é amor. Tudo o que
excede, sem aproveitamento, prejudica a economia da vida. Pois bem: todas as
multidões de desequilibrados permanecem nas regiões nevoentas, que se seguem
aos fluidos carnais. O dever cumprido é uma porta que atravessamos no Infinito,
rumo ao continente sagrado da união com o Senhor. É natural, portanto, que o
homem esquivo à obrigação justa, tenha essa bênção indefinidamente adiada.
(...) – Imagine que cada um de nós, renascendo no
planeta, somos portadores de um fato sujo, para lavar no tanque da vida humana.
Essa roupa imunda é o corpo causal, tecido por nossas mãos, nas experiências
anteriores. Compartilhando, de novo, as bênçãos da oportunidade terrestre,
esquecemos, porém, o objetivo essencial, e, ao invés de nos purificarmos pelo
esforço da lavagem, manchamo-nos ainda mais, contraindo novos laços e
encarcerando-nos a nós mesmos em verdadeira escravidão. Ora, se ao voltarmos ao
mundo procurávamos um meio de fugir à sujidade, pelo desacordo de nossa
situação com o meio elevado, como regressar a esse mesmo ambiente luminoso, em
piores condições? O Umbral funciona, portanto, como região destinada a
esgotamento de resíduos mentais; uma espécie de zona purgatorial, onde se
queima a prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura adquiriu por atacado, menosprezando o
sublime ensejo de uma existência terrena.
(...) – O Umbral é região de profundo
interesse para quem esteja na Terra. Concentra-se, aí, tudo o que não tem
finalidade para a vida superior. E note você que a Providência Divina agiu
sabiamente, permitindo se criasse tal departamento em torno do planeta. Há
legiões compactas de almas irresolutas e ignorantes, que não são
suficientemente perversas para serem enviadas a colônias de reparação mais
dolorosa, nem bastante nobres para serem conduzidas a planos de elevação.
Representam fileiras de habitantes do Umbral, companheiros imediatos dos homens
encarnados, separados deles apenas por leis vibratórias. Não é de estranhar,
portanto, que semelhantes lugares se caracterizem por grandes perturbações. Lá
vivem, agrupam-se, os revoltados de toda espécie. Formam, igualmente, núcleos
invisíveis de notável poder, pela concentração das tendências e desejos gerais.
Muita gente da Terra não recorda que se desespera quando o carteiro não vem,
quando o comboio não aparece? Pois o Umbral está repleto de desesperados. Por
não encontrarem o Senhor à disposição dos seus caprichos, após a morte do corpo
físico, e, sentindo que a coroa da vida eterna é a glória intransferível dos
que trabalham com o Pai, essas criaturas se revelam e demoram em mesquinhas
edificações. "Nosso Lar" tem uma sociedade espiritual, mas esses
núcleos possuem infelizes, malfeitores e vagabundos de várias categorias. É
zona de verdugos e vítimas, de exploradores e explorados.
(...) – Organização é atributo dos
espíritos organizados. Que quer você? A zona inferior a que nos referimos é
qual a casa onde não há pão: todos gritam e ninguém tem razão. O viajante
distraído perde o comboio, o agricultor que não semeou não pode colher. Uma
certeza, porém, posso dar-lhe: - não obstante as sombras e angústias do Umbral,
nunca faltou lá a proteção divina. Cada espírito lá permanece o tempo que se
faça necessário. Para isso, meu amigo, permitiu o Senhor se erigissem muitas
colônias como esta, consagradas ao trabalho e ao socorro espiritual.
(...) e é nessa zona que se
estendem os fios invisíveis que ligam as mentes humanas entre si. O plano está
repleto de desencarnados e de formas-pensamento dos encarnados, porque, em
verdade, todo espírito, esteja onde estiver, é um núcleo irradiante de forças
que criam, transformam ou destroem, exteriorizadas em vibrações que a ciência
terrestre presentemente não pode compreender. Quem pensa, está fazendo alguma
coisa alhures. E é pelo pensamento que os homens encontram no Umbral os
companheiros que afinam com as tendências de cada um. Toda alma é um ímã
poderoso. Há uma extensa humanidade invisível, que se segue à humanidade
visível. As missões mais laboriosas do Ministério do Auxílio são constituídas
por abnegados servidores, no Umbral,
porque se a tarefa dos bombeiros nas grandes cidades terrenas é difícil, pelas
labaredas e ondas de fumo que os defrontam, os missionários do Umbral encontram
fluidos pesadíssimos emitidos, sem cessar, por milhares de mentes
desequilibradas, na prática do mal, ou terrivelmente flageladas nos sofrimentos
retificadores. É necessário muita coragem e muita renúncia para ajudar a quem
nada compreende do auxílio que se lhe oferece. (...)
Livro: Nosso Lar, pelo espírito André
Luiz, de Francisco Candido Xavier.